No dia 8 de Abril de 2019 o carro de uma família foi fuzilado por 80 tiros no Rio de Janeiro. Dentro estavam o músico Evaldo dos Santos Rosa, que dirigia, o sogro no banco de passageiro, também baleado e, no banco de trás, a companheira do músico, Luciana dos Santos, o filho do casal, de sete anos, e uma amiga.
Os disparos foram feitos por nove militares do Exército Brasileiro, que assassinaram Evaldo e também Luciano Macedo, catador de materiais recicláveis que tentou ajudar a família. A cena da dor de Luciana em frente ao carro perfurado por balas onde se encontrava o corpo do seu companheiro chocou o mundo.
No dia seguinte ao crime, o Comando Militar do Leste divulgou uma nota em que dizia que Evaldo e seu sogro eram criminosos. Ambos foram acusados de atirar contra os militares, que revidaram. A nota mentirosa contradizia completamente as imagens divulgadas na internet e os relatos das testemunhas, mas reproduzia o modus operandi das dezenas de “autos de resistência” que acontecem diariamente pelo país.
Em 11 de Abril, do outro lado do Atlântico Julian Assange era preso em Londres pela polícia Britânica após ser expulso da embaixada do Equador, lugar onde ficou asilado (praticamente preso) durante sete anos, buscando evitar responder por uma acusação de abuso sexual na Suécia, que poderia levá-lo a uma extradição para os EUA.
Assange ficou conhecido ao tornar-se a face pública da Wikileaks, que ganhou grande repercussão mundial após a divulgação em abril de 2010 de um vídeo chamado “Assassinato Colateral”, que mostrava o massacre covarde de uma dúzia de civis desarmados no Iraque por um helicóptero Apache do Exército dos EUA.
Na quinta passada, por 11 votos a 3, os ministros do STM (Superior Tribunal Militar) decidiram por conceder liberdade aos nove militares envolvidos na ação, sendo que a única ministra acusou os militares de manipulação de provas. No mesmo dia o Departamento de Justiça dos EUA apresentou 17 novas acusações contra Assange, que pode enfrentar décadas de prisão após ser acusado de violar a Lei de Espionagem, despertando preocupações de parte da imprensa americana com o cerceamento da liberdade de expressão.
Dois casos que apesar de em contextos distintos nos mostram com clareza a natureza autoritária, hipócrita e assassina dos Estados “Democráticos” e suas Instituições.
Assange foi preso por ajudar a revelar a natureza imperial e assassina dos EUA, o que provavelmente nunca teria ocorrido sem que Chelsea Manning, que serviu ao exército, fornecesse as informações necessárias. Chelsea que passou anos na prisão, sendo a sua detenção mais recente ainda este ano após ter se negado a depor em um caso envolvendo a Wikileaks.
A mais recente vítima desta trama é o desenvolvedor de software Sueco Ola Bini, preso no aeroporto de Quito em 11 de abril, no mesmo dia da prisão de Assange. Seus direitos básicos foram negados: ele não foi informado das acusações e foi mantido sob custódia ilegal sem poder se comunicar com o cônsul sueco. Ola Bini é acusado de “conspirar” com hackers russos e colaborar com a Wikileaks para prejudicar o governo do presidente Lenin Moreno, que entregou Assange de bandeja para seus algozes imperialistas.
As máscaras vão caindo para aqueles que ainda acreditavam no Estado Democrático de Direito, ou mesmo nas liberdades burguesas, como mostra o caso de Assange com relação a liberdade de expressão, em um processo capitaneado pelos Estados Unidos, ainda sob governo do democrata Barack Obama, e continuada por Donald Trump, com complacência do Reino Unido, da Austrália, Suécia e agora do Equador.
Já aqui no Brasil os “assassinatos colaterais” ocorrem diariamente na guerra contra o seu próprio povo, negro e pobre. Evaldo foi “confundido com bandidos”, estas pessoas que podem ser mortas livremente, desde que se encaixem com determinado perfil bem conhecido por nosso Estado racista e suas policias e forças armadas servis as elites.
Ações que parte da população aplaude ou faz pouco caso, endossando o discurso fascista que ajudou a eleger Bolsonaro e que fornece o apoio popular necessário para a aprovação de projetos de lei como o “PL-Anticrime” do ex-juiz Sérgio Moro, que promete diminuir pena ou mesmo isentar de responsabilização penal policiais que matem em serviço. Não é a toa que o governador do Rio, o também ex-juiz Wilson Witzel se sentiu a vontade para participar de uma operação policial em um helicóptero ao lado de snipers para “dar fim à bandidagem”, e que acabou por metralhar uma tenda evangélica, quase repetindo mais um “assassinato colateral”.
Os recados são claros: em tempos de crise global do capitalismo, mudanças climáticas e disputas geopolíticas as forças repressivas do Estado se voltam para marginalizar e vigiar ainda mais as classes subalternas, as populações saqueadas pelas guerras e as minorias. Para levar a cabo seus projetos autoritários estes governos precisam contar com uma mobilizada base de apoio, para a qual não faz diferença moral saber das atrocidades cometidas.
Aquelas que ousarem se levantar contra o status-quo serão acusadas de traidores e duramente reprimidas. Se organizar e tomar medidas para melhorar nossa segurança são imperativos para quem está disposto a resistir aos tempos sombrios que se avizinham, e para quem ainda acredita que outros mundos são possíveis.