O marisco abriu sua casca

 
Desterro, primeiro de setembro de 2014. Às 19h começa a primeira oficina de comunicação segura do Mariscotron. Tudo estava de cabeça pra baixo naquela época: no Brasil, há um ano, aquele junho tinha sacudido o país; agora era a vez da resistência contra a copa do mundo. Antes, em várias partes do mundo, revoltas explodiram, botando as pessoas de volta na rua. Mas, ao mesmo tempo, essas pessoas já viviam uma vida paralela, digital, estavam enliadas na malha justa da internet, gastando dezenas de horas por mês conectadas à rede. Eis que Snowden abriu as porteiras secretas da CIA: informações sobre a espionagem massiva dos órgãos governamentais de inteligência agora estavam disponíveis para o público e não tinha mais como fingir, tudo estava sendo gravado e armazenado.

 

Durante mais ou menos 5 anos, este coletivo, que se propôs a juntar anarquismo e tecnologia, promoveu diversas oficinas, sempre recheadas de política e provocações. A começar por aquele encontro no tarrafa HackerClub, em Florianópolis, passando por Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus, Recife, Toulouse-FR, entre outras. Os movimentos sociais, coletivos e as pessoas em geral pediam mais conhecimento técnico: como funciona a internet, o que é criptografia, como protejo minha privacidade (se é que ela existe)? Então, o coletivo ganhou novos membros e o conhecimento passou a circular mais.

 

No final de 2018, no contexto da ansiedade com a eleição de Bolsonaro, começou a se delinear o plano estratégico “Segurança de Pés Descalços” (SPD), baseado nas ideias de atenção primária do SUS. Poucos meses depois, em 2019, já entrávamos na fase 1 do plano: “Campanha e divulgação”, aproveitando tudo que era evento para falar da importância de boas práticas em segurança e agentes multiplicadores. Talvez a SPD, juntamente com a tradução do livro Segurança Holística,  tenham sido o maior legado registrado do Mariscotron e informalmente, claro, a conscientização de dezenas de pessoas.

 

Hoje vemos o assunto da segurança digital, e de forma mais ampla da Tecnopolítica, sendo cada vez mais central nos debates. O uso da inteligência artificial na vigilância, e como arma de guerra contra o povo Palestino, a vigilância pervasiva em dispositivos espalhados pelas cidades, ditas “inteligentes”, o viés racial no reconhecimento facial, a soberania digital (mesmo quando pensada de forma estatal) são só alguns exemplos de como este assunto se tornou mais complexo, e como os desafios para enfrentá-los são bem maiores do que há 10 anos, quando este coletivo surgiu. 

 

Após o auge da pandemia de covid-19, já não nos reuníamos mais. Já que cada membro morava num lugar diferente, tivemos muitas dificuldades de planejamento. Mesmo que a segurança digital siga sendo muito importante, a (nossa) onda tinha passado. o marisco abriu sua casca e virou comida para outros projetos. 

 

Que a história desse coletivo tenha servido de ins/piração, e que continuem brotando coletivos que contestem, repensem e transformem a tecnologia, tendo em vista à libertação social.

 

Saúde e Anarquia!